VERVE.TENTE
Estudos e Reflexões FLÁVIO MELLO

LITERATURA

Category: By Flávio Mello
IRACEMA

José de Alencar



Prof. Flávio Mello

A obra romanesca de ALENCAR costuma ser dividida pela crítica em quatro áreas: a indianista, a histórica, regionalista e a urbana.

a) os romances indianistas, apresentam três fases do índio:

• Civilizado e dominado pelos portugueses na luta pela conquista da terra - O Guarani;
• os primeiros contatos dos brancos com os nativos na civilização do Ceará – Iracema;
• e o índio em seu estado natural, sem interferência do branco, longe da civilização, em época indeterminada - Ubirajara.

b) Os romances históricos, As minas de prata, o primeiro romance histórico de nossa literatura; A guerra dos mascates, e, ainda através das crônicas dos tempos coloniais e das novelas O garatuja e Alfarrábios.
c) Os romances regionalistas, através de O sertanejo e O gaúcho, reproduzindo costumes típicos e folclóricos dessas regiões. O tronco do ipê e Til, considerados romances sociais. Com Til, retrata os costumes dos ambientes paulistas nas grandes épocas do café. Com O tronco do ipê, apresenta o panorama das fazendas do Rio de Janeiro.

d) Os romances urbanos, são romances de amor, que espelham a mentalidade romântica da época, capaz dos maiores sacrifícios para solidificar esse sentimento. Exemplificam esse gênero: Cinco minutos, A viuvinha, A pata da gazela, Sonhos d'ouro, Lucíola, Diva, Senhora e Encarnação.

Além de romancista, Alencar foi teatrólogo, merecendo destaque as comédias Verso e reverso, O demônio familiar, As asas de um anjo, Noite de João além dos dramas Mãe e O jesuíta.

Como poeta, deixa-nos o poema indianista Os filhos de Tupã.

IRACEMA












Livro publicado em 1865, não obteve tanto sucesso quanto O Guarani, lançado em capítulos, no jornal – Diário do Rio de Janeiro, oito anos antes.

A principal editora do livro (Melhoramento), imprimiu entre 1934 e 1965, 17ª edições, num total de 120 mil volumes, sem contar as outras editoras.

DO LIVRO TEMOS:

• 113 edições em português;
• 01 em latim;
• 01 em inglês;
• 02 em Braille;
• 03 adaptações para verso de cordel;
• 01 para HQ.

Um dos maiores intelectuais a falar da obra, no lançamento, foi Machado de Assis.

“(...) que nem parece obra de um poeta moderno, mas de um poeta indígena, contada aos irmãos, na porta da cabana, aos últimos raios de sol que se entristece.”

e,

“Poema lhe chamamos a este, sem curar de saber se é antes uma lenda, se um romance: o futuro chamar-lhe-á obra-prima.”

e,
Pinheiros Chagas, escritor português de prestígio no tempo:

“(...) pela primeira vez se imprime finalmente o cunho nacional num livro brasileiro, (...)”

e, termina:

“a lançar no Brasil as bases duma literatura verdadeiramente nacional.”

As críticas se baseavam em:

• A falta de correção na língua portuguesa (sobre a negativa da língua brasileira diferente da portuguesa.);

• Neologismos e injustificações;

• Insubordinações gramaticais (critica centrada na linguagem).

Alencar tem a imagem de “revolucionário perigoso”!

É no séc. XX que Iracema começa a merecer uma melhor avaliação crítica. Pela livre analise da obra no enfoque gramatical ou etnológico.
Torna-se um cânone pela construção geral e lingüística do livro.

A Constituição do livro

A primeira edição de 1865 com 208 páginas, mas de texto narrativo apenas 156 (com grandes margens), uma carta de Alencar com 18 páginas. Inicio como prólogo e termina depois das notas sobre termos indígenas e informações históricas e geográficas ao leitor.

Assim, é uma novela envolvida por uma carta semeada de notas. Que deve ser lido nessa ordem, pois funcionam em conjunto.

Na definição do próprio autor:

• É um ensaio ou mostra;
• Uma literatura nacional;
• Original.

O Prólogo


Datado de Maio de 1865 é uma longa dedicatória – a um conterrâneo e amigo, só identificado na 2ª parte como Domingos Jaguaribe, primo e Deputado.
1ª Parte:

• Delineia uma boa forma de leitura;
• Um livro cearense ao povo cearense;
(um livro que fala sobre o Ceará)
O autor se preocupa que sua visão territorial não seja compreendida ou assimilada, por isso afirmar que ira encontrar o leitor ao termino da leitura.
2ª Parte:
O que nos chama atenção é que a segunda parte da carta nos mostra uma data diferente da primeira. O que temos no fim do texto é: “Agosto, 1865”. O autor faz questão de marcar isso, três meses de intervalo.

Com essa quebra de data, o autor dissolve o tom de conversação que expõe no inicio do livro, é nesse intervalo que se tem a revisão do texto, de meditação da primeira escrita, a revisão feita para a segunda edição.
A carta tem como objetivo revelar aos leitores o cuidado da idealização do livro, o projeto de uma literatura nacional, serve como bula, manual de leitura, por isso a obrigatoriedade da leitura sistemática do livro assim como o autor elaborou.
O ROMANTISMO

1ª Fase: Nacionalista ou Indianista

• Exaltação da natureza (Sabiá como símbolo);
• Retorno ao passado;
• Herói nacional (índio);
• Sentimentalismo;
• Religiosidade;
• Mulher idealizada e inatingível.

ANÁLISE DOS ELEMENTOS DA OBRA


NARRADOR


É em terceira pessoa, narrador onisciente,


“ O cristão contempla o ocaso do sol. A sombra que desce dos ,montes e cobre o vale, penetra sua alma. Lembra-se do lugar onde nasceu, dos entes queridos que ali deixou.” (cap. 6 - pg. 117)


O narrador, assim como disse Machado de Assis, conta uma história que já faz parte da cultura de um povo, uma lenda, que não se inventa na escrita de um livro, mas com intimidade.


ESPAÇO


A trama se passa na exuberante natureza cearense:


“Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;
Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda aos raios do Sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas
de coqueiros.
Serenai verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.
Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela?
Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano?
Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar em fora;
Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano; uma criança e um rafeiro que viram a luz no berço
das florestas, e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagem.
A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas:
— Iracema!...” (Cap. 1 - 95)


TEMPO


Tempo é rigorosamente cronológico, como veremos em um quadro a seguir, e se passa entre os anos de 1608 e 1611. Podemos ver alguns traços de uma narrativa linear, e bem precisa, marcada por elementos da descrição da natureza:


“O alvo disco da Lua surgiu no horizonte.
A luz brilhante do Sol empalidece a virgem do céu, como o amor do guerreiro desmaia a face da esposa.
— Jaci!... Mãe nossa!... exclamaram os guerreiros tabajaras.
E brandindo os arcos lançaram ao céu com a chuva das flechas o canto da lua nova:
“Veio no céu a mãe dos guerreiros; já volta o rosto para ver seus filhos. Ela traz as águas, que enchem os rios e a polpa do caju.
“Já veio a esposa do Sol; já sorri as virgens da terra, filhas suas. A doce luz acende o amor no coração dos guerreiros e fecunda o seio da jovem mãe.
Cai a tarde.” (cap. 16 - pg. 167)
DOIS MOMENTOS IMPORTANTES E POÉTICOS

(Tanto o parto quanto o amamentar Moacir)

Trecho 1
“Iracema cuidou que o seio rompia-se; e buscou a margem do rio, onde crescia o coqueiro.
Estreitou-se com a haste da palmeira. A dor lacerou suas entranhas; porém logo o choro infantil inundou todo o seu ser de júbilo.
A jovem mãe, orgulhosa de tanta ventura, tomou o tenro filho nos braços e com ele arrojou-se às águas límpidas do rio.
Depois suspendeu-o à teta mimosa; seus olhos então o envolviam de tristeza e amor.
— Tu és Moacir, o nascido de meu sofrimento.
A ará, pousada no olho do coqueiro, repetiu Moacir; e desde então a ave amiga em seu canto unia ao nome da mãe, o nome do filho.
O inocente dormia; Iracema suspirava:
— A jati fabrica o mel no tronco cheiroso do sassafrás; toda a lua das flores voa de ramo em ramo, colhendo o suco para encher os favos; mas ela não prova sua doçura, porque a irara devora em uma noite toda a colméia. Tua mãe também, filho de minha angústia, não beberá em teus lábios o mel do sorriso.” (cap. 30 e 31 - pg. 235 à 243)

Trecho 2

“A jovem mãe suspendeu o filho à teta; mas a boca infantil não emudeceu. O leite escasso não apojava o peito.
O sangue da infeliz diluía-se todo nas lágrimas incessantes que não estancavam dos olhos; nenhum chegava aos seios, onde se forma o primeiro licor da vida.
Ela dissolveu a alva carimã e preparou ao fogo o mingau para nutrir o filho. Quando o sol dourou a crista dos montes, partiu pa-ra a mata, levando ao colo a criança adormecida.
Na espessura do bosque está o leito da irara ausente; os tenros cachorrinhos grunhem enrolando-se uns sobre os outros.
A formosa tabajara aproxima-se de manso. Prepara para o filho um berço da macia rama do maracujá; e senta-se perto.
Põe no regaço um por um os filhos da irara; e lhes abandona os seios mimosos, cuja teta rubra como a pitanga ungiu do mel da abelha. Os cachorrinhos famintos precipitam gulosos e sugam os peitos avaros de leite.
Iracema curte dor, como nunca sentiu; parece que lhe exaurem a vida, mas os seios vão-se intumescendo; apojaram afinal, e o leite, ainda rubro do sangue, de que se formou, esguicha.
A feliz mãe arroja de si os cachorrinhos, e cheia de júbilo mata a fome ao filho. Ele é agora duas vezes filho de sua dor, nascido dela e também nutrido.
A filha de Araquém sentiu afinal que suas veias se estancavam; e contudo o lábio amargo de tristeza recusava o alimento que devia restaurar-lhe as forças. O gemido e o suspiro tinham crestado com o sorriso o sabor em sua boca formosa.” (cap. 30 e 31 - pg. 235 à 243)

IRACEMA TERRA VIRGEM














IRACEMA é a representação de um Brasil segredado e enigmático, ou um paraíso perdido.

IRACEMA também pode ser representada como a EVA e sua sexualidade a maçã (pecado), contudo Martim não pode ser Adão, devido não fazer parte desse paraíso.
IRACEMA representa a América descoberta e colonizada, Martim o nobre europeu, guerreiro valente e desbravador que “descobre” tal paraíso (ou segredo).


E o tão famoso anagrama: IRACEMA/AMÉRICA


Tão bem explorado na letra de Chico Buarque:

IRACEMA VOOU
Chico Buarque/1998

Iracema voou
Para a América
Leva roupa de lã
E anda lépida
Vê um filme de quando em vez
Não domina o idioma inglês
Lava chão numa casa de chá
Tem saído ao luar
Com um mímico
Ambiciona estudar
Canto lírico
Não dá mole pra polícia
Se puder, vai ficando por lá
Tem saudade do Ceará
Mas não muita
Uns dias, afoita
Me liga a cobrar:
- É Iracema da América

BIBLIOGRAFIA

ALENCAR, José de, 1829 – 1877. Iracema: lenda do Ceará; apresentação Paulo Franchetti; notas e comentários Leila Guenther; ilustrações Mônica Leite. – Cotia, SP: Atêlie Editorial, 2006. – (Clássicos Atêlie)

Revista – Entre Livros, edição especial de fim de ano, ano 2 Nº 20 – Duetto, pg. 26 e 27

IMAGENS


01. José de Alencar, Retratado por Alberto H enschel - Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro

02. Iracema, de Antonio Parreiras, 1909

03. Iracema, óleo sobre tela de José Maria de Medeiros

04. Iracema. Acrílico sobre Tela de Lena Gal, 2005
 

1 comment so far.

  1. Regiane R. Coutinho 20 de janeiro de 2009 às 08:40
    gostei doaprofundamento extremamente didático eprofundoem particular tenho admiração pela obra de José de Alencar.
    Parabéns!!! RE

    beijos

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